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sábado, 8 de janeiro de 2011

Ponte Kultural

Inácio Matsinhe a ponte Kultural entre Moçambique e Portugal

A figura de um cristo com a mão desprendida da cruz a verter o seu sangue sob as cabeças dos fiéis, trouxe o pintor moçambicano Inácio Matsinhe pela primeira vez a Portugal. Corria o ano de 1972 quando o artista trocou Maputo, então Lourenço Marques, por Lisboa.
Na capital do império a pintura carregada de simbolismo de Inácio Matsinhe depressa encontrou apoio junto daqueles que travavam a luta antifascista. O botequim da Graça, local de encontro de nomes como Natália Correia, Urbano Tavares Rodrigues, Mário Cesariny ou Raúl Rego, tornou-se um dos locais preferidos de Inácio Matsinhe. Foi aqui que o pintor encontrou o apoio e o carinho que o levaram a prosseguir a carreira iniciada em Moçambique.
"Saí de Maputo com 27 anos, depois de terminado o serviço militar. Inicialmente, o objectivo da minha vinda para Portugal era o de poder continuar a aprender as técnicas, em pintura e cerâmica", relembra Inácio Matsinhe.
A paixão pelas artes plásticas nasceu com ele. Ainda miúdo lembra-se de ir buscar barro à fábrica de cerâmica localizada a poucos metros de sua casa. Daí nasceram as primeiras peças do artista. Aos 16 anos decidiu-se pelo ingresso na Escola de Artes Decorativas de Maputo, onde aprendeu as técnicas base da pintura.
Em Lisboa a pintura de Inácio tornou-se incomodativa, revelando uma das facetas mais característica do pintor, a de "activista". Apesar dos 13 mil km que o separam de Moçambique, é à sua terra e à sua cultura que o artista vai buscar a inspiração. Nas telas os problemas sociais vividos pelos moçambicanos ganham expressão e protagonismo. "A minha pintura na altura era intragável. Retratava os problemas sociais. Contudo, ao mesmo tempo, não podia dar a entender essa realidade". Mas os amigos do pintor não perdoavam e nas críticas que, por exemplo, Urbano Tavares Rodrigues publicava expunha a nu a alma escondida do pintor. Esta consciência política não nasceu em Portugal, já a trazia de Moçambique, onde, em 1966, aderiu ao Movimento Anti-Racial e dos Direitos Humanos, uma organização de defesa dos direitos cívicos com sede em Londres. Uma ligação que o regime colonial e fascista, que então vigorava, não via com bons olhos.
O 25 de Abril de 1974 apanhou-o em Lisboa, onde já estava radicado. "Com a independência voltei por um breve período a Moçambique, depois foi-me atribuída uma bolsa de estudos para aprofundar os meus conhecimentos em cerâmica e fui para o Egipto, Inglaterra e Itália. Portugal tornou-se na minha base e, a uma dada altura, achei que devia permanecer cá e esqueci o caminho para o aeroporto", relembra Inácio.
Apesar das suas muitas andanças, as suas raízes culturais e a sua ligação a Moçambique continuam a ser a sua maior fonte de inspiração. Em meados da década de 90 decidiu voltar ao país, onde colaborou na campanha a favor do desarmamento da população. "A campanha era de troca de armas por enxadas, mas eu achei que se podiam transformar aquelas armas em algo útil. E das armas fiz esculturas". A exposição percorreu vários países e ajudou a sensibilizar a opinião pública internacional para a necessidade de ajudar um país saído da guerra a dar os primeiros passos na democracia.
No regresso a Portugal foi convidado a integrar a lista do PS, por Lisboa, nas eleições autárquicas de 1997. Uma experiência que ainda hoje lhe traz más recordações. Inácio Matsinhe queixa-se de ter sido usado e abandonado depois de ter cumprido os objectivos desse convite: atrair os votos da comunidade africana.
Deste episódio salva-se o espaço que lhe serviu de quartel general durante a campanha. "Era um espaço dirigido aos africanos e lutei para que assim permanece-se".
Foi assim que nasceu Moçambique Kultural, um ponto de encontro para a cultura moçambicana, com exposições e ateliers de formação. Foi e é também aqui que o pintor expõe parte da sua obra. Inácio Matsinhe vai inaugurar em breve um espaço semelhante a este em Maputo. Entre os dois locais, o artista pretende criar uma ponte cultural entre Moçambique e Portugal que sirva para divulgar o trabalho de jovens artistas moçambicanos e fomentar o intercâmbio entre os dois países.

Manuela Sousa Guerreiro

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